Um grupo de cientistas do Brasil e da Argentina acaba de anunciar a obtenção das primeiras imagens do Sol adquiridas com telescópio e filtro H-Alfa – instrumento capaz de mostrar as regiões ativas da atmosfera solar com grau de detalhamento sem precedentes quando operado no mesmo local com dois outros telescópios solares no infravermelho e em ondas submilimétricas.
As primeiras imagens foram obtidas no dia 20 de outubro, no observatório do Complexo Astronômico El Leoncito (Casleo), localizado em San Juan, na Argentina.
A iniciativa faz parte de um convênio que envolve, há dez anos, cientistas do Casleo e do Centro de Radioastronomia e Astrofísica Mackenzie (Craam), da Escola de Engenharia da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
A obtenção de imagens em H-Alfa faz parte do Projeto Temático “Emissões da atividade solar do submilimétrico ao infravermelho”, coordenado por Pierre Kaufmann, professor do Craam, e financiado pela Fapesp (Fundação de Amparo e Pesquisa do Estado de São Paulo).
De acordo com Kaufmann, o projeto combina uma série de métodos e equipamentos de última geração a fim de observar o Sol com grau de detalhamento inédito. O objetivo é compreender a física por trás de fenômenos como manchas e explosões solares.
“Conseguimos descrever bem processos como as explosões solares, mas a física que dá origem a eles ainda é um mistério.
Se pudermos conhecê-la, isso permitirá fazer previsões sobre esses fenômenos, que têm grandes impactos no nosso planeta, provocando desde alterações no clima até interferências em satélites da constelação GPS”, disse à Agência Fapesp.
Com a resolução das imagens que poderão ser obtidas a partir de agora, as análises sobre os processos físicos que ocorrem nas explosões solares terão um imenso aumento de precisão de diagnóstico.
É a primeira vez que se analisam os dados da estrela com tamanha resolução e com tal diversidade de frequências.
“O novo instrumento H-Alfa permite obtenção de elevadas taxas de repetição de imagens: 30 por segundo.
Simultaneamente, estamos trabalhando com imagens obtidas por outro telescópio no infravermelho médio e por radiotelescópio em ondas submilimétricas – todos operando no mesmo local.
Temos uma capacidade única para fazer diagnósticos inéditos de explosões solares com uma altíssima resolução temporal”, disse Kaufmann.
Atualmente, a comunidade científica está estarrecida com o fraco nível de atividade solar apresentado pelo Sol.
“Ainda assim, na primeira semana de observações com o conjunto de instrumentos foi possível observar duas explosões solares e visualizar, no Sol, regiões ativas com manchas e praias brilhantes, além de protuberâncias no limbo solar”, contou.
Kaufmann explica que, neste momento, o astro deveria apresentar atividade muito intensa, mas está apresentando um comportamento extremamente anômalo, de forma que as manchas – as regiões solares ativas – estão aparecendo com frequência e importância muito menores que nos ciclos anteriores.
“O Sol tem ciclos de atividade de 11 anos e a previsão era de que o máximo da atividade solar deveria ocorrer em 2013.
Já devíamos ter uma alta atividade, mas estamos bem longe disso. Estamos bastante perplexos com essa demora para a retomada do ciclo de atividade solar”, disse.
“Mini era glacial”
O físico solar Cornelis de Jager, da Organização de Pesquisa Espacial de Utrecht (Holanda), publicou recentemente na revistaJournal of Cosmology um artigo no qual prevê que os próximos ciclos solares de 11 anos serão excepcionalmente fracos em termos de atividade.
De acordo com o artigo do cientista holandês, esse momento de baixa atividade solar pode ser análogo à chamada “mini era glacial”, um período de cerca de 100 anos que se concentrou no século 17.
“Não sabemos, ainda, detalhes sobre a física das explosões solares. Mas é certo que esses fenômenos têm forte impacto no clima terrestre”, disse Kaufmann.
O professor do Craam explica que as manchas solares confinam grande quantidade de material ionizado – ou plasmas – extremamente quente, onde subitamente ocorrem as explosões solares.
“Essas explosões liberam imensas quantidades de energia, interagindo com o espaço interplanetário e com a Terra.
Se estivermos de fato diante da iminência de uma nova ‘mini era glacial’, esse período potencialmente poderá levar a um esfriamento do planeta”, destacou.
Embora os mecanismos físicos das explosões solares continuem inteiramente desconhecidos, existem evidências de que sua origem está relacionada à aceleração de partículas – em particular elétrons – a velocidades extremamente elevadas, muito superiores às que se imaginava anteriormente.
Junto às manchas solares existem poderosos aceleradores de partículas naturais. “A tendência atual é fazer uma analogia entre o processo de aceleração de partículas em grandes aceleradores de laboratório e os que dão origem a explosões solares”, disse o professor do Craam.
Kaufmann explica que esses processos podem ser medidos em comprimentos de onda que se situam na faixa do infravermelho distante e próximo, fazendo uso de tecnologias que se situam entre micro-ondas curtas e o espectro visível.
“Por isso, nosso grupo tem conseguido resultados inéditos mostrando essas evidências e agora partirá para fazê-lo em nível ainda mais avançado”, afirmou.
Em El Leoncito, a equipe de engenheiros do Casleo opera a instrumentação, enquanto a maior parte da análise e interpretação dos dados é feita pelo grupo do Craam.
“O observatório se situa em região desértica argentina, a uma altitude de 2,6 mil metros. As condições são muito boas, temos 330 dias por ano de céu aberto”, disse.
O projeto principal se estenderá até 2012. Há ainda seis projetos atrelados ao estudo, três dos quais de pós-doutorado.
“Após a conclusão, pretendemos iniciar um outro projeto na mesma linha, cujas pesquisas deverão se estender pelo menos até o próximo máximo de atividade solar – se é que ele vai existir”, disse o coordenador do Temático.